💕 Amor e Filosofia 📚 | De Platão a Simone de Beauvoir: Qual o sentido do amor?
Um singelo passeio pelos caminhos e descaminhos da filosofia sob a ótica do Amor…
O amor, esse sentimento tão complexo, multifacetado e universal, tem sido um dos temas mais perenes e intrigantes da filosofia desde os primórdios do pensamento humano. Não é apenas uma emoção que nos arrebata, mas uma força poderosa que molda nossas escolhas, relações e até mesmo nossa compreensão do eu e do mundo. Ao longo da história, pensadores e pensadoras de diversas escolas e épocas se debruçaram sobre o enigma do amor, buscando decifrar sua essência, seu propósito e seu profundo impacto na experiência humana. De Platão a Simone de Beauvoir, cada perspectiva oferece uma lente única para contemplar essa faceta tão fundamental da existência. Vamos, então, nos aprofundar um pouco mais nessas perspectivas fascinantes:
Platão e o Amor como aspiração ao belo
Para Platão, o amor (eros) transcende em muito o mero sentimento romântico ou o desejo físico. Em seu influente diálogo "O Banquete", ele não descreve o amor como algo que possuímos, mas como uma força motriz que nos impulsiona à transcendência. Inicia-se com o desejo pela beleza física, mas progride em estágios, elevando-se para a beleza das almas, das leis, do conhecimento, até culminar na contemplação da "Beleza em si" – o Belo absoluto, eterno e imutável. Este é o famoso amor platônico, uma busca ardente pela perfeição, pela verdade e pela imortalidade, que nos afasta das imperfeições do mundo sensível e nos direciona para o reino das Ideias. O amor, portanto, é um caminho de purificação e ascensão filosófica.
“O Amor é o mais belo entre os deuses, e só fica nos lugares floridos e perfumados."
Platão em O Banquete
Aristóteles e o Amor como uma amizade virtuosa
Ao contrário de Platão, que foca no transcendental, Aristóteles em sua monumental obra "Ética a Nicômaco" volta sua atenção para as relações humanas e a vida virtuosa na pólis. Para ele, a amizade (philia) não é apenas um afeto, mas uma virtude essencial para a felicidade (eudaimonia) e para a vida em sociedade. Ele distingue três tipos de amizade: a que se baseia na utilidade (transitória), a que se fundamenta no prazer (também efêmera) e a mais elevada de todas, a amizade por virtude. Esta última se caracteriza pelo desejo do bem para o outro pelo seu próprio bem, e não por ganhos secundários. É uma relação entre pessoas boas que se ajudam mutuamente a crescer em virtude e a alcançar a excelência moral, sendo a base de uma comunidade justa e próspera.
“Ninguém escolheria viver sem amigos, nem mesmo se tivesse todos os outros bens.”
Aristóteles em Ética a Nicômaco
Santo Agostinho e o Amor como caridade
Na vasta obra de Santo Agostinho, especialmente em "Confissões" e "A Cidade de Deus", o amor é intrinsecamente ligado à esfera divina e à fé cristã. Para ele, o verdadeiro amor emana de Deus e se manifesta como caridade (caritas). É o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo como a si mesmo, ambos os mandamentos fundamentais da fé cristã. Agostinho argumenta que o ser humano foi criado para amar a Deus, e que a alma só encontra descanso e verdadeira paz quando orienta seu amor para o Criador. O pecado, por sua vez, é um amor desordenado, que se volta para bens finitos e passageiros, desviando-se da verdadeira fonte da felicidade e da ordem. O amor verdadeiro, portanto, é um amor ordenado, que busca a Deus e reflete sua bondade no mundo.
“O amor a Deus e ao próximo resume em si toda a grandeza e profundidade dos outros preceitos divinos.”
Nietzsche e o Amor como superação
Nietzsche vê o amor como uma força criadora, mas também como um possível risco à liberdade individual. Em suas reflexões, ele critica a idealização romântica que pode levar à submissão ou ao sofrimento. Para ele, o amor autêntico deve impulsionar o indivíduo a se tornar mais forte, mais consciente de sua própria existência e de seu papel no mundo. O amor verdadeiro, segundo Nietzsche, não deve reduzir o ser humano, mas sim ampliar sua potência de vida.
"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."
Nietzsche em Para além do Bem e do Mal, Aforismo 153
Esta citação é central para a crítica de Nietzsche à moralidade tradicional. Se o amor é uma expressão da vontade de potência e da criação de valores individuais, então as ações motivadas por ele transcendem as categorias morais pré-estabelecidas de "bem" e "mal" herdadas do cristianismo ou do platonismo. O amor, aqui, é uma força vital que se justifica por si mesma, na sua capacidade de afirmação da vida e de si mesmo.
Simone de Beauvoir e o Amor em liberdade
A filósofa existencialista Simone de Beauvoir, em sua obra seminal "O Segundo Sexo", realiza uma análise profunda e crítica das relações amorosas, especialmente do ponto de vista feminino. Ela argumenta que, em muitas culturas, as mulheres são socializadas para se tornarem o "Outro" no relacionamento, sacrificando sua própria subjetividade e liberdade em nome do amor romântico, que muitas vezes se torna uma forma de opressão. Para Beauvoir, o amor autêntico – o amor existencialista – deve ser uma relação de reconhecimento mútuo entre duas consciências livres e autônomas. Não se trata de fusão ou dominação, mas de um compromisso que respeita a alteridade e a individualidade de cada um. É um amor que convida à transcendência e à autoconstrução, rompendo com os padrões de submissão e alienação.
"O amor verdadeiro deve se fundar no reconhecimento recíproco de duas liberdades"
Simone de Beauvoir em O segundo sexo
Essa frase representa muito bem a visão da autora sobre o "amor autêntico", que é central em sua obra "O Segundo Sexo". Para Beauvoir, um relacionamento amoroso saudável e ético não pode ser baseado na dominação de um sobre o outro, na objetificação ou na negação da autonomia de qualquer uma das partes. Pelo contrário, o amor verdadeiro exige que ambos os indivíduos se reconheçam como seres livres, subjetividades plenas e autônomas, que escolhem se relacionar e se construir juntos sem anular a liberdade um do outro.
Pensar filosoficamente sobre o amor é, acima de tudo, uma forma de compreender melhor a nós mesmos e o mundo ao nosso redor. Seja como uma busca intelectual, um laço ético ou afetivo, um desafio existencial ou uma manifestação de fé, o amor permanece um dos conceitos mais profundos da experiência humana. Sua força tem o poder de unir, libertar e transformar, convidando-nos constantemente à reflexão...
E você?
Já viveu um amor libertário como sugere Simone de Beauvoir?
Um amor platônico clássico?
Ou uma amizade aristotélica virtuosa ?
Como o amor se expressa na sua vida?